segunda-feira, 2 de julho de 2012

RELATO DA PARTICIPAÇÃO DO MNLM-RS NA CÚPULA DOS POVOS

por Ceniriani Vargas da Silva (Ni)

Saímos do Rio Grande do Sul no dia 14, uma delegação de 45 militantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia- MNLM rumo ao Rio de Janeiro, com muitas expectativas e poucos trocados no bolso... foi uma viajem muito rica em todos os sentidos, principalmente pela possibilidade de aprendizado e troca ao viajar tantas horas com militantes de vários cantos do estado e também pelas nossas andanças atrás da comida mais barata junto aos caminhoneiros na estrada...

Chegamos no Rio no inicio da noite do dia 15, lá a companheirada do MNLM- Rio nos aguardava na Ocupação Mariana Crioula, onde ficamos alojados durante todo o evento. No local, assim como na Ocupação Manuel Congo (um prédio que fica na Cinelândia) foi instalada uma cozinha industrial, onde foram produzidas pelo movimento 2 mil refeições por dia para os participantes da Cúpula. Os companheiros e companheiras do Rio "se puxaram" para garantir uma boa estadia para todos nós e registro aqui também nosso agradecimento.



A Mariana Crioula é uma ocupação de imóvel público realizada pelo MNLM há pouco mais de seis meses, fica na região portuária e não foi batizada à toa com o nome desta guerreira negra, pois nessa região desembarcaram mais de 1 milhão de africanos sequestrados e trazidos pra o Brasil como escravos. Inclusive na mesma rua onde fica a ocupação foram descobertos dois cemitérios de escravos... é também neste local que está sendo implementado pela prefeitura o projeto "Porto Maravilha"que revitalizará a região e entregará na mão da especulação imobiliária e exploração privada de comércios... Por enquanto no local só há prédios históricos em ruínas e instalada a "cracolândia"...

Durante todos os dias que estivemos no Rio de Janeiro convivemos diariamente com a dura realidade do povo pobre dessa cidade. Começando pela vizinhança, pois o lado da ocupação é adotado por um grupo de catadores de materiais recicláveis (que infelizmente também são usuários de crack), a noite a gurizada ligava um rádio em um "gato" no poste da rua e faziam a separação do seu material no meio da rua, e apesar de todas as dificuldades da sua condição, no outro dia a rua estava limpa novamente e pronta pra ser usada de novo... Construímos boas relações com essa galera neste período...

Também tivemos a oportunidade de subir ao Morro da providência e conhecer um pouco da luta desta comunidade que é uma das mais antigas do Rio de Janeiro, e que desde o início da militarização os moradores não estão tendo sossego. Além das denúncias de abusos por parte dos militares, a população do lendário Morro da Favela está sendo atacada pela prefeitura, que ameaça remover centenas de famílias do local. O principal argumento para a remoção é o projeto "Morar Carioca", que pode ser considerado uma das maiores obras de maquiagem já anunciadas pelos gerenciamentos municipais. Mesmo sem escolas, hospitais, moradias dignas e saneamento, moradores do morro da Providência estão sendo removidos para dar lugar a parques, praças, árvores e um teleférico.
Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência, que fica atrás da Central do Brasil, foi batizado no final do século 19 como Morro da Favela, daí também a origem do nome (substantivo) que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil. Os primeiros moradores do Morro da Favela eram ex-combatentes da Guerra de Canudos e se fixaram no local por volta de 1897. Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamentos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro - e por lá acabaram ficando.

Tanto a origem do nome Favela quanto Providência remetem à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. Faveleiro é também o nome de um arbusto típico do sertão nordestino. A luta da Comunidade da Providência é uma luta por uma vida digna, mas também é uma luta em defesa do patrimônio cultural e histórico do Rio de Janeiro e do Brasil.

Das atividades oficiais da Cúpula gostaria de destacar o Seminário "O Direito à Cidade e o Impacto dos Mega Projetos" realizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana no dia 18. Neste dia os cerca de 280 militantes do MNLM presentes no evento realizamos uma caminhada dentro do território da cúpula com nossas bandeiras, faixas e gritos de ordem... foi um momento bem marcante, especialmente pelo fato de muitas pessoas se somarem a caminhada e às vozes que diziam "DA COPA, DA COPA EU ABRO MÃO, EU QUERO MORADIA, SAÚDE, EDUCAÇÃO", e "JÁ ACABOU A REGALIA É O PODER DA PERIFERIA!".... Ao chegar ao local do seminário os companheiros dos demais movimentos urbanos se somaram também e após fizemos um debate muito qualificado, inclusive com relatos internacionais sobre a questão do impacto dos mega eventos sobre as cidades e as violações de direitos que tem resultado.

Ainda na noite do dia 18 foi realizada a última reunião com o comando da polícia militar do Rio sobre o Ato de Apoio à Vila Autódromo e após um pequeno grupo do MNLM reuniu também com a comunidade na Associação de Moradores. A Vila Autódromo é hoje um símbolo da luta contra as violações de direitos que estão ocorrendo em diversas partes do Brasil e do Mundo onde em nome do desenvolvimento acabam expulsando comunidades e potencializando os processos de especulação imobiliária.

As famílias da Vila conquistaram a posse da área em 1992 através da CDRU-Concessão do Direito Real de Uso, também em 2005 a área foi declarada Área Especial de Interesse Social, conquistas que deveriam garantir a permanência das mais de 900 famílias no local por pelo menos mais 99 anos. Mas apesar destas conquistas, neste momento as famílias sofrem mais uma tentativa de remoção por parte dos governos que alegam a impossibilidade de urbanização no local, mas na verdade querem entregar a área para a iniciativa privada construir condomínios de luxo. Para demonstrar que a Vila Autódromo é viável socialmente, ambientalmente e urbanisticamente, a Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo -AMPVA, juntamente com o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual (ETTERN/IPPUR/UFRJ), elaboraram o "Plano Popular da Vila Autódromo", que propõe a urbanização da comunidade como alternativa mais barata do que a remoção. O projeto engloba planos para os setores habitacional, educacional, ambiental, cultural, de saneamento, economia local e transporte. A implementação desse plano pode tornar a Vila Autódromo um modelo de integração urbanística e ambiental de uma comunidade, em consonância com o discurso de sustentabilidade que é o centro da Rio+20. Tecnicamente, não existe razão para a remoção, pois o Plano Popular apresenta soluções para todas as áreas.

O MNLM esteve presente na comunidade deste a noite de segunda-feira, dialogando com os moradores e mobilizando para o ato em apoio a esta luta de mais de 40 anos pelo direito a moradia digna. O MNLM –Rio tem acompanhado as reuniões que acontecem todos os domingos na comunidade e tem contribuído cotidianamente no processo de organização e resistência. No dia 19 durante o dia passamos de casa em casa dialogando com os moradores, buscando compreender um pouco mais essa realidade e levando um pouco da nossa experiência acumulada no movimento. Eu pessoalmente sei bem o que é viver esta luta, pois também sou moradora de uma Ocupação em Porto Alegre que está passando por este mesmo processo de remoção em virtude das obras da Copa. (VÍDEO EM: http://www.youtube.com/watch?v=a1I4Q6XxoW4&feature=channel&list=UL

Na tarde da terça-feira organizamos equipes junto com os moradores e a criançada da Vila e nos concentramos em pintar as faixas e uma grande lona preta para o ato. Outra tarefa fundamental que assumimos foi de avaliar a questão da segurança, ou seja, "monitorar o monitoramento" da polícia militar e do exército. Desde o momento em que chegamos na comunidade todas as entradas e saídas já estavam sob vigilância e carros do exército também circulavam pelas ruas. ... Pouco mais de meia hora depois da nossa entrada na Vila chegou o responsável local do comando para questionar sobre mudanças no acordo firmado na reunião e itinerário da manifestação. A partir do momento em que abrimos a lona no campo atrás da associação também intensificou- se o monitoramento pelo helicóptero do exército que voava baixo sobre nossas cabeças o tempo todo.

Havia muito medo por parte do comando de que o ato fugisse do controle, pois a comunidade ficava a 500 metros do perímetro de segurança da Rio +20, onde estariam reunidos os chefes de estado... Já da nossa parte o receio era de que os ônibus mobilizados para o ato fossem impedidos de chegar à comunidade.... Sendo assim foi construída como alternativa uma vigília na véspera para garantir a mobilização no local, no entanto esta idéia "vazou" e o comando estava a espreita de qualquer movimentação.

Nossa preocupação apenas se concretizou, pois nesta tarde anterior ao ato, a policia distribuiu na comunidade um documento em que comunicava que apartir das 7h da manhã do dia 20 (dia do ato) ninguém entraria na vila e que inclusive os moradores poderiam entrar somente com a apresentação de comprovante de residência. Na mesma hora digitalizei este documento e colocamos na internet, tornando público o estado de sítio que estava se construindo.

Após tornar pública a situação, as coisas se amenizaram um pouco... a noite cerca de 300 pessoas se somaram a vigilia na comunidade. Apesar da presença do exército e da polícia militar, pela manhã os ônibus conseguiram chegar ao local. Infelizmente a expectativa era de que participassem do ato em torno de 5 mil pessoas, mas pouco mais de mil tiveram a coragem e a compreensão da importância desta luta... uma luta muito simbólica por representar a realidade de milhares de famílias que estão sendo chutadas pela Copa. É triste constatar que as organizações que compunham o cômite organizador da Cúpula priorizaram a caminhada no centro do Rio em um dia decretado feriado, uma manifestação que sequer dialogou com a população da cidade, pois esta (estratégicamente) foi dispensada de estar nas ruas neste dia.

O acordo construído com o comando era de que o ato não saíria da Vila, no entanto houveram divergências sobre este encaminhamento... na verdade a comunidade (e nós também) éramos da opinião que se a manifestação não tomasse a avenida que fica ao lado da vila não alcançaríamos a visibilidade esperada e necessária para a luta da comunidade... mas por outro lado havia toda esta preocupação com o aparato militar instalado no local...

No decorrer da manifestação chegamos a conclusão de que era posssível e necessário ocupar a avenida... Então dialogamos rapidamente com os companheiros indígenas e entramos na avenida... após os primeiros momentos de tensão companheiros de diversos movimentos e organizações se somaram a nós, tomamos a avenida e estendemos a lona que pintamos com as crianças no dia anterior com a frase "VILA AUTÓDROMO RESISTE, 4O ANOS DE LUTA"... No entanto não conseguimos avançar muito rumo ao espaço da Rio +20, pois logo a frente foi formada uma barreira de centenas de soldados com máscaras de gás e militares muito bem armados... Mas já foi o suficiente para causar o impacto que a comunidade avaliava necessário...

Tentando concluir, só gostaria de explicitar minha tristeza ao constatar novamente que cada vez mais nos tornamos o país do "turismo social", em que figuras com suas super- máquinas fotográficas circulam nos carrinhos da Caixa tirando fotos de índios e bandeiras... Infelizmente a grande maioria dos participantes da Cúpula dos Povos desconhecem as lutas concretas que eu citei acima, que são apenas algumas das muitas que ocorreram neste período... destaco também a luta das mulheres, dos índigenas contra Belo Monte e a manifestação severamente reprimida do Movimento de Ocupação Cultural no local onde foi atropelada uma companheira do Rio Grande Sul, ela morreu na hora e o motorista fugiu... "MAIS AMOR, MENOS MOTOR"...

Além disso não posso deixar de falar do papel dos meios de comunicação na construção da opinião pública... ao ler qualquer jornal, assistir telejornal, dialogando com algumas pessoas pelas ruas ou nos õnibus era nítido que a imagem que se tinha dos participantes da cúpula era de um "bando de vagabundos passeando no Rio de Janeiro com dinheiro público". E também falta de conhecimento sobre o que significava.. um camelô com quem conversei pediu para eu explicar o que estava acontecendo, pois a única coisa que ele sabia é que tinham falado que não queriam ninguém na rua... acredite que a própria polícia um dia nos orientou a pegar um ônibus errado e que também um ônibus não quis parar para nós...

Um grande abraço,
Ceniriani Vargas da Silva (Ni)
Movimento Nacional de Luta pela Moradia - RS

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