quinta-feira, 23 de maio de 2013

“Um pais para todos”, ou “Dois pesos, duas medidas”: a vergonhosa acao do Governo Federal no caso do Jardim Botanico




“Um pais para todos”, ou “Dois pesos, duas medidas”: a vergonhosa acao do Governo Federal no caso do Jardim Botanico
Edesio Fernandes

Se nao houver uma mudanca muito significativa do processo em curso, com uma intervencao direta e urgente da Casa Civil da Presidencia da Republica e mesmo da propria Presidente da Republica, em breve mais de 500 familias que moram em diversas comunidades dentro do recentemente re-demarcado perimetro do Jardim Botanico, no Rio de Janeiro, serao removidas pelo Governo Federal.
Sao areas formadas ha muitas decadas, em alguns casos desde o final do Sec. 19, e em cujas comunidades vivem, dentre outras, pessoas de 70, 80 ou mais e 90 anos – NASCIDAS E CRIADAS NESSAS AREAS.

A remocao de todas essas familias significara’ o total fracasso do Governo Federal  na construcao de uma formula juridico-politica que proponha um equilibrio – totalmente possivel – entre os principios constitucionais e leis federais que tratam da preservacao ambiental, da protecao do patrimonio cultural e da gestao do patrimonio publico, com os principios constitucionais e leis federais que explicitamente reconhecem o direito social de moradia, mesmo em areas de propriedade publica, e que determinam o direito coletivo ‘a regularizacao fundiaria de assentamentos informais consolidados, mesmo em areas de interesse ambiental e cultural.

Trata-se de um processo decisorio vergonhoso, no qual todos os orgaos do Governo Federal diretamente envolvidos covardemente cederam ‘as pressoes das preconceituosas elites cariocas, da manipuladora Rede Globo, e de grupos ambientalistas completamente insensiveis ‘as questoes sociais da moradia – personificados na acao de Liszt Vieira,  o intransigente anterior presidente da Fundacao Jardim Botanico.
Foi vergonhosa a acao do Ministerio do Meio Ambiente, totalmente incapaz de coordenar um processo amplo e democratico de pactuacao entre os interesses divergentes, totalmente incapaz de incorporar a dimensao dos direitos sociais de moradia e da regularizacao fundiaria em seu discurso ambiental seletivo e questionavel, e que nao contestou com a mesma forca a presenca, dentro do mesmo perimetro tombado, de areas ocupadas nos anos 90 por grupo de elite – que assim nao esta’ ameacado de remocao.

Foi vergonhosa a acao do IPHAN, que, depois de proceder muito tardiamente ‘a re-demarcacao da area do perimetro tombado, inicialmente se manifestou publicamente favoravel ‘a permanencia de mais de 300 das familias, para depois acatar silenciosamente a decisao final de remocao das mais de 500 familias, tendo tambem deixado de questionar tanto a permanencia na area tombada do assentamento da elite, quanto uma serie de intervencoes dentro da area tombada que tem sido feitas pela propria administracao do Jardim Botanico.

Foi vergonhosa  a acao do Poder Judiciario no Rio de Janeiro, que, em acoes de reintegracao de posse iniciadas em um contexto juridico ja’ ultrapassado – anterior ‘a introducao da emenda constitucional que reconhece o direito social de moradia e ‘a aprovacao do Estatuto da Cidade, da MP 2.220 e de diversas outras leis federais de regularizacao fundiaria – determinou a remocao das comunidades mais pobres, mas permitiu a permanencia do assentamento da elite.

Foi vergonhosa a acao do TCU, que interferiu de maneira inedita nessa discussao de forma a atender ‘as pressoes dos grupos mais poderosos - que tem acesso a esse orgao obscuro -, fazendo uso de um discurso juridico antiquado no que diz respeito ‘a nocao de patrimonio publico, discurso esse que tambem e’ incompleto e seletivo por nao incorporar os elementos juridicos da nova ordem juridico-urbanistica, e que tambem aceitou sem questionar a sentenca judicial que possibilitou a permanencia dos mais ricos.

Foi vergonhosa a acao da SPU, que, tendo inicialmente se reposicionado favoravelmente ‘a permanencia das comunidades ‘a luz da nova legislacao - assim mudando a orientacao do orgao no tratamento da questao no contexto das acoes de reintegracao da posse iniciadas antes da incorporacao do direito social de moradia na CF e das diversas outras leis federais; depois de fazer um longo trabalho de levantamento juridico e socioeconomico das areas e comunidades; depois de reconhecer os direitos das comunidades seja ‘a CUEM-Concessao de Uso Especial para Fins de Moradia, seja ‘a CDRU-Concessao de Direito Real de Uso; perdeu a queda de braco e acabou acatando silenciosamente a decisao de remocao das mais de 500 familias, sem enfrentar a permanencia dos ricos que vivem a uns meros 400 metros de distancia.

Foi vergonhosa a acao do Ministerio das Cidades, orgao com o mandato especial de defesa do Estatuto da Cidade e como tal responsavel pela promocao dentro do Governo Federal do reconhecimento do direito social de moradia e da regularizacao fundiaria, mas que simplesmente nao apareceu ao longo desse processo decisorio, sendo totalmente alijado das discussoes e decisoes, e deixando assim sem representacao as questoes urbanisticas e sociais envolvidas.

Foi vergonhosa acao da AGU – a mesma AGU do “Rosegate”, a AGU que facilitou a entrega do patrimonio da Uniao em areas de preservacao ambiental para o Senador Gilberto Marinho  - que entrou no processo tardiamente com uma posicao juridica conservadora, seletiva, incompleta e questionavel para determinar o a reintegracao de posse – e que tambem nao enfrentou a  permanencia dos ricos na area tombada.

Vergonha, vergonha, vergonha.

Dado o fracasso de todos esses orgaos do Governo Federal, resta ver se a Casa Civil da Presidencia, e a propria Presidente da Republica, vao mudar os rumos desse processo vergonhoso, que, longe de afirmar os principios de inclusao socioespacial do  “Brasil para todos” prometido pelo Governo Federal, se caracterizou pela utilizacao sistematica de dois pesos e duas medidas pelos orgaos do Governo Federal, que fizeram uma utilizacao seletiva, distorcida e ideologica da ordem juridica em vigor para determinar a remocao dos mais pobres, ao mesmo tempo em que fecham os olhos, quando nao apoiam diretamente, a permanencia dos mais ricos na area tombada.

D. Benilde nasceu no Horto, uma das comunidades do Jardim Botanico, ha 93 anos, e la’ e foi criada. Que interpretacao juridica profundamente equivocada e’ essa que argumenta que 93 anos nao sao suficientes para que direitos de permanencia no local sejam reconhecidos?

A remocao de D. Benilde e seus vizinhos no Horto, no Caxinguele e outras comunidades nos envergonha a todos.

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